Padecer no paraíso?

Quando eu era criança (não espalha, mas isso já faz muitas décadas), eu lia nos cartazes espalhados pelos corredores do grupo escolar onde eu estudava algumas frases que sempre me intrigaram.  De cartolinas, com bandeiras desenhadas a lápis de cor, seguidas de: “Brasil: ame-o ou deixe-o” a “As crianças são o futuro da nação”, tinha de um tudo. No cabeçalho das provas manuscritas em papel almaço com pauta (confesso, eu era criança na década de 70), uma professora sempre nos mandava escrever “Deus me vê”, na esperança que ficássemos motivados a não colar, temendo o castigo Divino.

Sobretudo, havia uma frase que sempre me incomodava: “Ser mãe é padecer no paraíso”. Como assim? Padecer não é sofrer? Pobre da minha mãe que lutava tanto costurando pra fora, sem conforto em nossa humilde morada, e ainda se esticando na economia doméstica pra sustentar a filharada?  Na verdade, eu não entendia esse conceito porque as palavras me pareciam incompatíveis pra caminharem juntas na mesma frase.

Bem, a gente cresce e a frase continua lá. Muita gente ainda usa. Hoje a gente sabe que esta frase, extraída de um poema de Coelho Neto, é para exaltar a maternidade. Num tempo onde parto normal era a rotina, dar à luz uma criança era um misto de dor intensa e alegria esfuziante pelo rebento que nascia.

Num texto recorrente na internet, um autor desconhecido diz que: “A mãe perfeita não grita, não se desespera, não perde a calma e, sobretudo, não existe!”  Não parece uma verdade quase absoluta? Muita coisa dói para uma mãe, às vezes até amamentar. Mesmo um gesto como esse, tão glamourizado na mídia e tão importante para a saúde de um bebê, pode ser um sacrifício para a mãe.

De sacrifício em sacrifício, uma mãe constrói sua trajetória rumo ao topo do pódio dos seres humanos mais virtuosos. Agora, como honrar essa heroína? Talvez a primeira coisa fosse desmistificar a ideia tanto de padecimento, quanto de paraíso. Padecer é resistir, aguentar o tranco da vida, os reveses, as perdas, decepções e ingratidões. Paraíso é glória, é descanso, é recompensa. Padecer no paraíso é um processo, não um momento. Talvez a resiliência da mãe esteja exatamente no fato de alternar padecimentos e glórias, o que vai fortalecer sua musculatura emocional e ensinar o caminho da superação pessoal.

Honrar a mãe é também contrapor essa jornada, fazendo com que ela experiente mais do paraíso do que do padecimento, que é inevitável em sua decisão de ser quem é. Sobre a mãe, um filho não deve ter remorsos a remoer, culpas a incomodar, dívidas a pagar, mágoas a destilar. Obviamente isto se aplica a qualquer relacionamento, mas, em se tratando da mãe, as tintas fortes nestes sentimentos expõem almas machucadas, perdões negados, angústias aprisionadas e maquiadas.

Com relação a ela, o amor e a compreensão tem que ser superlativo e extravagante. Jesus honrou Maria ao cumprir rigorosamente o seu papel designado pelo Pai. Se Ele tivesse declinado da missão que lhe foi dada e não tivesse dividido a história, ela jamais seria sequer conhecida, quanto mais reconhecida.

Bem, voltando as frases cunhadas pelo povo, a primeira pessoa de quem se lembra na hora de desqualificar alguém na forma de xingamentos é da sua mãe, anônima, mas ultrajada. Não seria esse um sintoma de que ela sequer passa desapercebida? Ser mãe é padecer no paraíso? Pode até ser, desde que padecer seja “fazer por merecer” e paraíso seja também “desfrutar da merecida recompensa”.

Pr. Anibal Filho

Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.

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